sexta-feira, 9 de novembro de 2012

Réplica do debate x Tiago Pacheco


Meu caro Tiago Pacheco não se iluda.

Ler diários de sedutores, saber das peripécias de um Casanova ou dos malandros da Lapa nada tem a ver com a problemática social dos moradores de rua. Não confunda boemia com morar na rua. Uma coisa ocorre como tu bem disseste devido a arroubos da personalidade que busca e aprecia a sedução, a beleza, o mistério, as inquietações, as surpresas, e com isso leva a pessoa a dar-se conta que este lugar em que se encontra tais coisas muitas vezes é a rua, ou os bares, bordéis e cracolândia até mesmo.

Morar na rua é bem diferente de frequentar a rua. Essa breve distinção elucida muita coisa como, por exemplo saber diferenciar porque um matuto do Pantanal que sai da zona rural devido péssima condições de vida e migra para os grandes centros urbanos, ou daquele “la migra” que sai do Paraguai e vai morar em Campo Grande porque no seu país também não há boas condições sociais de vida. Muitas pessoas fazem esse êxodo na esperança de mudar e melhorar sua vida primeiramente em termos sócio econômicos e não prioritariamente se entregar aos prazeres da carne da bebida ou entorpecentes. Nem sequer uma vagabunda brasileira pensa nisso quando vai se prostituir na Europa, ela pensa como todos sabem, em melhorar sua condição social e econômica a priori num ambiente mais favorável.

Como muitos destes ao chegar de seu local de origem não conseguem emprego e com o passar do tempo gastam suas provisões e ficam sem meios de retornar a seus locais de origem passam a habitar as ruas e muitas vezes por desespero (e aqui poderíamos inserir algo de Kierkegaard sobre o desespero humano) são aliciados pelo submundo das drogas e corrupção de valores e passam a integrar as estatísticas de desamparados sociais que o governo deveria amparar de forma mais humana e adequada socialmente.

Essa sua visão romanceada e suas ligações da obra de Kierkegaard na melhor das hipóteses é uma digressão que creio eu advém das telenovelas cujo enredo narra a trajetória daquele pobrezinho coitadinho advindo do meio do mato ou dos confins duma terra onde o Judas perdeu as botas tenta a sorte a na cidade grande, e enfrenta destemidamente os entraves sociais e arruma namoradinha, a qual é uma mocinha loira e de pele clara, que por sua vez é de família tradicional e bem abastada, e a relação entre ambos seria numa outra hipótese capenga uma discussão sobre a moral social duma sociedade classista com contornos romancistas anômalos a verdade da situação concreta na maioria dos casos reais.  

Tiago meu amigo, essa sua retórica que tem mais a ver com a trajetória do Sassá Mutema do Salvador da Pátria não me causa o menor interesse.

Seria mais convincente elaborar uma tese estética ligada ao filme Beautiful onde o personagem de Javier 
Bardem reflete a totalidade e desafios da vida duma pessoa que necessita cuidar de sua família e resolver suas questões morais e espirituais perante uma sociedade agressiva e mordaz onde ele inclusive se depara com a problemática exploração de mão de obra migratória na Europa. Recomendo que assista esse filme para não ficar no vácuo de opções estilísticas predominantes da classe média emergente que necessita dar satisfação intelectiva a sua necessidade de auto indulgência social e burguesa.

Extrapolando um pouco os limites do tema predeterminado gostaria de inserir a posição estatal nessa problemática como, por exemplo, no caso do Estado de Cuba que reconhecidamente não possui população de rua em seu território devido a políticas sociais enganadoras que tiram a pessoa da rua, mas que por outro lado cerceiam toda sua liberdade de expressão e locomoção social pela práxis dum regime fechado. Caso inverso da emergente Índia que prospera economicamente, porém, por sua vez devido a cultura de castas permite que muitas pessoas sejam oprimidas socialmente e moralmente pela presença duma cultura arraigada em sua sociedade que inabilita a convergência humana e social de forma equalizadora.

Para não ficar apenas nesse aspecto antropológico ou sociológico vale a pena pautar que nenhum Estado ou outra forma de poder advindo do ser humano pode solucionar e erradicar das relações humanas e sociais problemas quanto a sua natureza psicológica ou afetiva que se somam aos problemas sociais. Instituições religiosas como a Igreja Católica mesmo aplicando sua doutrina que preza pela caridade e dignidade do ser humano na prática da dita justiça social também e ao seu modo são corruptas e merecem críticas pontuais pela disseminação de falsas esperanças a estes oprimidos pela sociedade.

Isso nos leva a questionar que a filosofia que seria o campo do saber humano capaz de elucidar de forma mais persuasiva essas questões atinentes à existência humana tem se valido nos últimos séculos de discussões e teorias inférteis que apenas dificultam ainda mais a complexa tarefa do homem em compreender os parâmetros essenciais mínimos duma existência plena e saudável e altamente auto suficiente do ponto de moral, afetivo e psicológico.

Nesse ponto cabem diversas críticas ao existencialismo. Todos sabem que existe um acordo tácito entre as pretensões dos pensadores e as exigências do público a seu respeito. Diante disso fica evidenciado que qualquer filósofo  deve necessariamente, para cumprir a tarefa que assume, possuir meios para mostrar como é que sua  concepção teórica abstrata se liga com a realidade de acordo uma ordem inteligível e racional. 

Por vezes, uma teoria filosófica moderna não consegue perfazer esse papel a que se destina. Diante disso, quase sempre, nos deparamos com zombarias dos céticos acerca de dos protestos e críticas que fazemos aos pensadores modernos que não deveriam impor-se perante ideias desligadas da realidade em si mesma, pois estas teorias não testemunham de forma fiel aquilo que é real na vida humana. Na maioria das vezes encontramos esquemas mentais incondizentes com aquilo que desejamos verdadeiramente saber e muitas vezes ficamos induzidos a uma irrealidade puramente abstrata.

A razão sempre nortea nossas conclusões, mas não longe e desconexa duma desconfiança que exclua totalmente alguma emoção ou sentimento. Conforme isso, não é papel da nossa racionalidade dissimular aquilo existe na própria inteligência, mas sim fazê-la antes de pensar e refletir gerar o ato de experimentar o que não pode ser totalmente fruto ou objeto da abstração.

Renunciar a experiência sensível é semelhante à de se dizer asceta aproximando para perto deles os objetos que buscam sem abandonar a suas convicções pessoais. 
Nesse sentido, parece que o existencialismo não tem nenhuma precaução antecipada contra as suas próprias desconexões e contradições. A despeito de todas as ilusões que a inteligência é capaz de gerar pelo pensamento estes guardam  no íntimo da sua sinceridade a convicção de ser lúcido é lançar luzes sobre a verdade e enxerga-ala e explica-la tal qual como ela é, pois este é o rito secreto ao qual as coisas obedecem na realidade.

Entretanto, como o ser humano é um ser limitado e que está posto em face de um todo ao qual se opõe, mas ao qual está unido, prefere não raras vezes apagar essa luz racional pura e retaliar a verdade às cegas, dando-lhe explicações causais conforme suas convicções condicionadas aos interesses de aceitação duma verdade própria para todos que nada possui de verdade real e concreta.

Fica claro que  esta sempre foi uma atitude intelectiva ao mesmo tempo investigativa e reflexiva que  implica  em desenvolver uma explicação sobre o que é real e não sobre o que é real para cada um de nós conforme nossos maiores e menores interesses. 

Por isso que quando questiono ao Tiago quais a implicações  da metafísica especulativa em nome da criação duma filosofia universal abstracionista para resolver os problemas da existência humana, a resposta dele fica  condicionada conhecimentos sobre o autor delas e ao sistema que ela se insere e reinsere contrapondo argumentos sobre aquilo que ele mesmo diz: “entendermos a realidade a partir de vivências (...) segundo o qual a existência humana se desenvolve logicamente no interior de esquemas conceituais, não constitui apenas um erro intelectual mas, sobretudo, uma tentativa de dissimular os verdadeiros fatos e rejeitar as responsabilidades implicadas pela escolha”.

Como se sabe toda escolha resulta em uma consequência natural a esta escolha. Perante isso questiono o Tiago: Como o ser humano pode se achar parte distinta destes processos de escolhas pessoais elegendo conceitos os quais muitas vezes não condizem com a realidade natural das coisas? 

Quando ele versa sobre “responsabilidades implicadas pela escolha” ele com certeza versa sobre a habilidade de responder com determinados valores, conhecimentos e da ações  a uma situação concreta  e não a uma situação abstrata dentro dessa temática em pauta.

O porque disso é muito claro: Quem optaria a viver no desconforto de relações humanas e ideológicas sem ter algum resultado satisfatório à sua existência?  Em miúdos: Quem em sã consciência optaria em aderir uma ideia que sacrifica seu bem estar em troca de abstrações que não resultam em nada além de mais sacrifícios inócuos?

Certamente quando esta ou aquela pessoa quando decide sair de sua localidade de origem para outra ela toma uma escolha que visa um predeterminado resultado de melhoria de sua condição existencial e não o inverso disso. Por tal razão é que não postulo essa visão romântica e abstracionista a qual o Tiago parece querer adotar em seus pontos de vistas fundamentados em Kiekegaard.

Pois como versei antes na minha introdução: Hoje em dia sabemos que o processo de alienação das pessoas é uma forma de negação da realidade que muitas levam ao máximo duma vivência radical de valores dissociados coisas concretas e que essa alienação impede de que o ser humano, como pessoa dotada especialmente de personalidade não consiga perceber que se tornou subproduto do seu meio.

Encerro aqui a minha réplica e deixo o espaço aberto para a tréplica do meu oponente.